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Diferenças da publicação na Web
e nos meios tradicionais Resumo: Um dos principais
mal-entendidos da transposição de informação para
a Web é olhá-la como um meio de comunicação semelhante
aos tradicionais. Na verdade, há diferenças marcadas e é
preciso compreendê-las para evitar erros e maximizar as possibilidades da
publicação na Web.
Nesta nota apresento
um resumo das características principais da Web, com ênfase naquelas
que mais a distinguem dos meios de comunicação mais tradicionais
(imprensa, rádio, TV). A compreensão dessas diferenças
é importante para ultrapassar mal entendidos e limitações
e adaptar as regras conhecidas aos novos meios de comunicação. É
também vantajoso reflectir sobre estas características para maximizar
as potencialidades da publicação na Internet. Notas
prévias - A confusão entre Internet e Web é frequente
e normalmente inconsequente. Neste texto, entende-se como Web a fracção
da Internet onde se armazenam conteúdos para difusão pública.
- Neste texto, entende-se por informação todos os textos, imagens,
sons e demais conteúdos que se transferem pela rede e não a informação
jornalística, sensu strictu.
|  | Índice |
|
| A natureza
distribuída da rede A Internet foi criada na década
de 1960 pelos militares dos Estados Unidos da América (EUA) como uma rede
distribuída sem controlo central para melhor sobreviver às ameaças
de guerra total entre os EUA e a União Soviética. Chamava-se então
"ARPAnet". Unia centros de conhecimento e de decisão científicos
e político-militares num protocolo em que todos se relacionavem ao mesmo
nível, sem hierarquias. À medida que instituições
de outros países se ligavam à rede, reforçava-se a sua natureza
distribuída e sem controlo hierárquico. Posteriormente, criaram-se
novos protocolos para facilitar a difusão e o arquivo de informação
sem comunicação directa entre os autores e os utilizadores da informação.
Entre os protocolos mais populares contam-se o File Transfer Protocol (ftp://)
e o Hyper Text Transfer Protocol (http://), enquanto outros caíram no esquecimento
(por exemplo o Gopher). Deste modo o uso da Internet difundiu-se pela comunidade
científica e militar, alcançando já na década de 1990
a generalidade das populações dos países mais "desenvolvidos"
(por exemplo, os membros da OCDE).
Com excepção de alguns países onde os governos impediram
o acesso à Internet ou controlam rigorosamente o tráfego dos poucas
instituições autorizadas a aceder à Internet, é possível
a qualquer cidadão, conjunto de cidadãos, empresa ou instiuição,
comunicar e criar o seu espaço na rede. Acresce que, em virtude das ligações
internacionais, é possível criar espaços em países
diversos dos dos responsáveis, ou até, ter entidades do país
A que criam um sítio (site) no país B mas associado a um
país C. Um bom exemplo é o arquipélago
de Tuvalu no Oceano Pacífico ao qual foi atribuído o Top Level
Domain .tv e que cobra uma taxa a todas as entidades relacionadas com a televisão
que querem ter um nome terminado em .tv. Naturalmente, os sítios não
estão instalados em Tuvalu mas num qualquer servidor nos Estados Unidos
ou noutro país próximo dos utilizadores interessados nessa informação.
Estas práticas de "deslocalização" associadas à
possibilidade de ocultar dos utilizadores a origem de um sítio, induzem
em erro numerosos utilizadores sobre a personalidade dos responsáveis pela
informação. Além do mais, à multiplicação
de fornecedores de informação junta-se a multiplicação
dos utilizadores. Como todos os sítios estão "ao mesmo
nível" é tão fácil a um português
ler um jornal on-line britânico ou neo-zelandês, a única
barreira é a língua, que é comum nestes dois casos.
A natureza distribuída é uma das características mais
fortes da Internet e daquelas que mais a distingue dos outros meios de
comunicação social. Como cada entidade pode ter o seu espaço
e cada utilizador pode aceder a todos os espaços, é possível
aos cidadãos interessados percorrer um vasto leque de informações
sobre um mesmo tema: - Múltiplos sítios podem apresentar
informação ou pontos de vista idênticos e apresentá-los
à generalidade da comunidade dos internautas. Assim, se um governo ou decidir
censurar um sítio ou se uma qualquer entidade procurar de alguma forma
silenciá-lo, logo outro surgirá oferecendo a mesma informação
sediado nesse ou em outro país, desde que haja um público interessado
na informação. Antes da Internet, a criação e difusão
de uma fonte alternativa a uma censura era um processo moroso e quase sempre de
alcance limitado.
- Múltiplos sítios podem apresentar informação
diferente à generalidade da comunidade dos internautas. Até há
pouco tempo, a informação disponível em cada cidade ou país
era criada ou filtrada por fontes próximas, subsidiárias da mesma
cultura partilhando relações políticas e económicas.
Só com um esforço extraordinário se podia conhecer o ponto
de vista da outra parte. Hoje é possível ver o mesmo problema de
inúmeros pontos de vista.
Em 1998 e 1999 foi possível
conhecer e comparar as posições dos jornalistas portugueses,
australianos, norte-americanos e indonésios em relação ao
processo político que conduziu ao referendo em Timor-Leste. Apenas
sete anos antes, em 1991, os portugueses acompanharam a Guerra do
Golfo no Kuwait e no Iraque pelos olhos das grandes agências internacionais
e de algumas estações de televisão (sobretudo dos EUA) que
chegavam a Portugal por satélite. Neste ambiente
distribuído, onde os públicos e os fornecedores de informação
são pulverizados também a informação é partida
em bocadinhos mínimos, o que dificulta igualmente o seu seguimento, controlo
e potencial censura. Acresce que a natureza digital da informação
propicia a sua distribuição em formatos diferentes e dificilmente
reconhecíveis. Mais uma vez, se um sítio na Internet for bloqueado,
é quase sempre possível distribuir os seus conteúdos por
canais e formatos electrónicos alternativos. Tal como acontece
com a maioria dos avanços técnicos, a natureza distribuída
é neutra em relação à ética e aos valores
humanos. Tanto pode servir para denunciar um regime tirânico como para difundir
manuais de terrorismo. Tanto facilita o sigilo das confidências como dificulta
o pagamento dos direitos de autor. | | Baixo
custo de acesso e diversidade do acesso O título "baixo
custo de acesso" pode ser ofensivo para as centenas de milhões de
pessoas que não dispõem ainda de abastecimento de água potável,
energia eléctrica ou telefone. Contudo, para as dezenas de milhões
de pessoas que tomam esses serviços como um bem adquirido (tão óbvios
que se esquecem deles!), o acesso à Internet tem um custo reduzido. Baixo
custo da ligação, do hardware e do software
Os primeiros utilizadores acediam à rede no local de trabalho ou escola,
normalmente com um custo directo nulo. Seguiu-se o acesso doméstico para
profissionais liberais e para as famílias com maiores rendimentos e níveis
de instrução mais elevados. Entretanto, os poderes públicos
de muitos países, primeiro nos países ditos "desenvolvidos",
depois em muitos outros, estavam atentos ao fenómeno de generalização
da Internet e decidiram apoiar o acesso "universal" à rede. Para
tal, criaram benefícios fiscais e bonificações ao crédito
para compra de material de acesso, promoveram a criação de tarifários
telefónicos adaptados às chamadas de dados, apoiaram a criação
de quiosques de acesso à Internet, espaços de acesso público
gratuito, acções de formação, etc..
Além do acesso físico à Internet ter um custo baixo, também
os programas que lhe dão acesso (browsers) custam pouco. Aliás,
a grande maioria deles tem custo zero. A decisão de fornecer gratuitamente
os programas de acesso do lado dos clientes e cobrar apenas pelos servidores
que disponibilizam os conteúdos foi decisiva para a generalização
da Internet mas também para persuadir os clientes a actualizar frequentemente
os seus programas (browsers), difundindo assim as novas possibilidades
das linguagens da Web, à medida que elas surgiam. Sinal desta pressa actualizadora
é o facto do consórcio www.w3.org
que regulamenta e procura impôr padrões nas linguagens e protocolos
ter estado durante anos atrás do estado da arte oferecido pelos criadores
de software de acesso e comunicação na Web.
O interesse dos cidadãos combinado com a iniciativa privada que logo procurou
criar novas oportunidades de negócio e com as políticas de apoio
à Internet resultou numa difusão rapidíssima do acesso à
rede, pelo menos nos países "desenvolvidos". Hoje, em Portugal,
é possível descarregar um jornal diário ou semanal da
Internet por uma pequena fracção do seu preço em papel
e os custos são independentes da distância entre o fornecedor
de informação e o utilizador. Diversidade dos meios e canais
de acesso Até à data (2001), a maioria das pessoas
acede por computador, seja no local de trabalho ou escola, seja em casa. No entanto,
novos meios de acesso à Internet vão surgindo à medida que
o acesso se generaliza. Dois dos exemplos mais clássicos são a televisão,
o electrodoméstico mais popular (é raro encontrar uma casa ligada
à rede eléctrica sem televisão) e o telemóvel. Há
diversos estudos indicando que até ao fim da década, haverá
mais pessoas a aceder à Internet por televisão e por telemóvel
do que por computador. Sou bastante céptico em relação a
estas previsões mas creio que partir do princípio que o computador
continuará a ser usado por 90% ou mais dos utilizadores também é
insensato. À medida que os equipamentos terminais se diversificavam,
o mesmo sucedia com os canais de acesso. Primeiro por telefone, depois por cabo
coaxial, por rádio-frequência, por fibra óptica, por satélite,
surgiram muitas formas diferentes de transportar a informação. Têm
largura de banda (leia-se quantidade de dados por unidade de tempo) muito diversa,
uns são bidireccionais, outros unidireccionais (fazendo-se o retorno por
outro meio, usualmente o telefone), outros ainda são bidireccionais assimétricos
(a largura de banda é diferente nos dois sentidos, normalmente é
mais lento o envio de dados do que a recepção). Consequências
A redução dos custos de acesso conduz a um nivelamento da audiência
potencial, além da eliminação da distância. Para os
criadores de informação isto conduzirá a duas estratégias:
ao nivelamento pelo menor denominador comum ou à estratificação
da informação de acordo com os níveis de instrução,
as culturas regionais, etc. De igual forma, a diversificação dos
terminais de acesso e dos canais de comunicação conduzem ao nivelamento
pelas apresentações mais modestas em largura de banda ou, em alternativa,
à criação de informação estratificada de acordo
com os terminais e os canais de acesso. Em todos os casos, há
uma escolha primordial que deve ser assumida e reiterada durante o desenho e realização
de um sítio: ou se opta pela versão básica e abrangente,
ou se estratifica os conteúdos apresentados de acordo com a instrução,
linguagem, cultura, largura de banda e equipamento terminal. É
possível escolher uma opção para cada critério. Nos
projectos com maior financiamento é até possível criar versões
alternativas para diversos públicos-alvo (à medida que os financiamentos
na economia da Internet se retraem, as versões menos rentáveis são
as primeiras sacrificadas). Mas não é possível pensar
que se pode satisfazer todos os públicos com uma única versão.
A cada escolha corresponde a alienação de uma fracção
da audiência potencial e isso deve ser ponderado. No
caso particular destas páginas de Reflexões sobre Internet, procuro
atingir os leitores de português, com 10 ou mais anos de escolaridade (seleccionados
pelo tema e pela linguagem), que acedam preferencialmente por computador (onde
podem imprimir os textos mais longos) e com qualquer largura de banda (por isso
simplifiquei a apresentação e o leitor vai avançando no texto
enquanto este é descarregado). Ao contrário
de um livro(1), um jornal, um disco,
um programa de rádio ou um filme, que são iguais para centenas de
milhares de leitores/espectadores, uma página de Internet poderá
ter numerosas versões diferentes e ser sempre mais barata do que o meio
de comunicação tradicional correspondente. Não obstante,
a manutenção de versões diversas da mesma informação
tem custos não negligenciáveis, que podem conduzir à eliminação
das versões menos rentáveis. (1)
os livros e alguns discos são uma excepção pois fazem-se
em edições de bolso, económicas, ilustradas e de luxo, oferecendo
o mesmo conteúdo a classes de utilizadores diferentes. |
| Baixo custo
de publicação O protocolo HTTP e os browsers
de acesso à World Wide Web foram desenvolvidos, entre outros, por Tim
Berners-Lee no CERN em Genève,
Suíca, com o objectivo de facilitar a comunicação entre grupos
distribuídos de cientistas. Numa frase: a Web nasceu
para que todos possamos publicar e ler tudo imediatamente e em toda parte,
entretecendo uma teia (web) de conhecimento partilhado.
Foi com este fim que a Web foi desenhada e é nesta função
que ela se revela óptima. Não obstante, o sucesso na partilha de
informação ultrapassou todas as expectativas e, a partir do momento
em que os utilizadores aprenderam a manipular as tecnologias da Web, logo a adaptaram
a múltiplos fins. A preocupação com o baixo
custo de publicação esteve presente desde a génese da Web
e revela-se em características curiosas: - O acesso à
informação faz-se sem apresentação e ou autenticação
de identidade.
O leitor recorda-se de algum outro meio onde se possa
ler, escrever e publicar anonimamente para uma tão vasta audiência
? - Os documentos são criados, armazenados e transferidos em formato
de texto, eliminando os custos de aquisição de ferramentas
de edição.
Qualquer editor de texto serve para esse fim - não
obstante, o tempo veio demonstrar que vale a pena usar um programa especializado.
Em contrapartida, a opção pelo texto tem custos acrescidos na largura
de banda de transmissão, pois existe uma enorme redundância da informação
neste formato. - Os documentos são transportados sem encriptação.
Na maioria dos casos, os cientistas partilham com prazer os seus conhecimentos
com o mundo e são pouco ciosos dos exclusivos dos seus trabalhos. A sua
recompensa é o reconhecimento dos seus pares. Por outro lado, a complexidade
dos assuntos tratados traduz-se numa espécie de "encriptação
informal" :-) Mesmo as comunicações privadas, como as trocadas
por correio electrónico, circulam às claras, e são copiadas
e armazenadas transitoriamente em vários computadores, multiplicando as
probabilidades de acesso não autorizado. - Não foram previstos
mecanismos de pagamento/cobrança.
Uma característica verdadeiramente
extraordinária numa época em que se diz que o valor da informação
ultrapassa o dos bens materiais. Agora que muitos utilizadores clamam por meios
de pagamento seguros e universais e por micro pagamentos, esta característica
está a dificultar o desenvolvimento dos serviços baseados na Web,
pois não é possível fundar uma economia na qual um dos bens
essenciais seja gratuito. Estas quatro características,
associadas ao baixo custo de acesso e à expansão das restantes formas
de comunicação electrónica - de que o correio electrónico
é o melhor exemplo - contribuiram para a sua rápida expansão
e popularização como meio de publicação por todos
os cidadãos desejosos de publicar as suas ideias, reflexões, sonhos
e paixões. Os Estados perceberam rapidamente o potencial da
Web e procuraram transpôr para a Internet enormes acervos de informação
pública, cativando novos públicos porventura menos entusiastas das
tecnologias. Entretanto, os fornecedores de acesso à Internet (ISP-Internet
Service Provider) querendo conquistar clientes oferecem com o acesso algum espaço
de publicação (afinal o espaço em disco é barato)
e nascem mesmo empresas e organizações com o objectivo de reunir
páginas e sítios individuais, ora pagos, ora gratuitos - neste casos
financiados pela publicidade ou por um mecenas. Só faltava
um ingrediente para que todas as pessoas pudessem ter o seu espaço na Internet:
programas simples para fazer páginas. Embora a linguagem HTML seja simples,
senão trivial, para muitos académicos, não o é para
a população em geral. Porém, rapidamente surgiram programas
que traduziam os formatos pré-existentes para HTML ou que permitiam criar
novas páginas de raíz. Logo aí surgiram milhões de
páginas sobre todos os assuntos que possam interessar uma pessoa: desde
os fantasmas até à matemática, da pintura surrealista até
à programação por objectos, dos queijos artesanais aos jogos
de computador. Apesar da enorme quantidade de páginas
criadas, sinto-me um pouco desiludido pois esperava muito mais. Creio que me esquecia,
contudo, que muitas pessoas não têm tempo suficiente para criar páginas
sobre os assuntos que lhes interessam, outros pensam que não têm
nada de novo a partilhar sobre os seus interesses e finalmente há aqueles
que não publicam os seus trabalhos porque não vêem qualquer
remuneração.
Até há pouco,
quantos poetas incompreendidos não percorreram uma via sacra de editores
em busca de alguém que publicasse a sua obra-prima ? Quantas bandas musicais
em início de carreira enviaram maquetes para as editoras discográficas
para receberem em troca um encolher de ombros? Quantos pintores procuram incessantemente
um espaço para expôr adequadamente as suas criações?
Numa palavra, quantos autores se sentiram frustrados por não conseguirem
chegar ao público com as suas obras, por falta de fundos próprios
e reconhecimento da crítica ? Tudo isso acabou ou está
minimizado. Agora quase todos os autores podem publicar na Web e tentar assim
chegar ao seu público potencial. Claro que há obras mais fáceis
de publicar do que outras (os textos lêem-se bem mas as obras de culinária
sabem a pouco, por exemplo), mas em qualquer caso a Internet oferece uma nova
ferramenta de publicação e atracção de público
com potencialidades únicas e porventura ainda inexploradas. Qual
o preço a pagar ? Como ninguém fez o crivo da qualidade, encontra-se
tudo sobre tudo. Muitas páginas são medíocres porque tratam
de assuntos triviais, enquanto outras são más porque se limitam
a duplicar conteúdos já existentes, outras ainda são péssimas
porque publicam assuntos que a maioria da sociedade não gostaria de ver
divulgados (fabricação de engenhos terroristas, propanganda a ideologias
racistas, dados privados roubados a outros cidadãos, etc.) Durante
os primeiros anos da Web (a primeira metade da década de 1990) ainda houve
quem se dedicasse a criar listas de sítios relevantes (presume-se que os
de melhor qualidade) sobre os mais diversos assuntos. O Yahoo!
começou assim, como um directório (do inglês directory
- lista classificada). Cedo teve de evoluir para um motor de busca que se "limita"
a explorar a rede, elencando os diversos sítios nas categorias, sem selecção
de qualidade. O sucessor dos directórios são os
motores de busca, provavelmente a aplicação mais importante da Internet.
Ao usar um motor de busca, o utilizador depara-se quase sempre com um excesso
de resultados e sem que ninguém o oriente a escolher as melhores referências
no meio de páginas de sugestões. Há já alguns motores
de busca que procuram ordenar as respostas a um pedido (query) do utilizador
por ordem de relevância, embora a eficácia destes sistemas seja limitada
(2).
Pessoalmente, gostaria muito de saber como seriam classificadas estas páginas
em especial e todo o meu sítio em geral, em termos de qualidade, relevância
sobre o tema, relevância entre as páginas em português, acessibilidade,
etc.. Infelizmente, tenho de contentar-me com o eco que chega dos leitores
que, embora positivo, tem a limitação de não cotejar o meu
trabalho com outras páginas e sítios análogos, de preferência
com recurso a uma medida uniformizada. (2)
Há alguns anos os motores de busca apresentavam as respostas ordenando
as páginas pelo número decrescente de ocorrências da palavra
procurada. Alguns autores, querendo melhorar posição das suas páginas,
repetiam dezenas de vezes a mesma palavra no cabeçalho (onde é invisível
ao utilizador) para que estas surgissem no topo. |
| Ubiquidade
espacial e cultural A ubiquidade é outra das diferenças
principais entre a Internet e os meios de comunicação tradicionais.
Embora a televisão por satélite, e depois por cabo, tenha ajudado
a criar a noção de "aldeia global", só agora com
um meio de comunicação bidireccional nos tornamos verdadeiramente
aldeões do mundo. Afinal, de que nos serve ver uma cidade das Filipinas
desaparecer à nossa frente sob um vulcão, se não posso estender
a mão aos seus cidadãos nem enviar-lhes uma palavra de conforto?
Com a Internet, a segunda já é possível, e há muitas
pessoas a tentarem criar mecanismos para que a primeira também o seja,
de forma mais ou menos mediada. Entretanto, divulga-se conhecimento
e criam-se relações entre pessoas ligadas por uma cultura comum,
um interesse comum, um povo ou uma língua comum. Há comunidades
de académicos portugueses espalhados pelo mundo que se reúnem em
torno de ideia de Portugal. Há mailing lists de especialistas em
biologia molecular que se entreajudam e trocam experiências. Há amadores
de fotografia que publicam e comentam mutuamente as suas obras. Há grupos
de amigos que se conheceram numa escola, numa empresa, num local de férias
e que criam o seu espaço para trocarem histórias, combinar reuniões
e matar saudades. Em todos os exemplos citados - que são uma
gota de água no oceano - se constata que as barreiras espaciais e culturais
se reduzem com a Internet, desde que haja um interesse comum. Um dos melhores
exemplos desta tendência são as contra-manifestações
que têm assolado as reuniões dos chefes de estado dos países
mais poderosos(3).
Estes movimentos são organizados discretamente através da Internet
e reúnem pessoas das mais diversas origens e culturas cujo único
ponto de consenso é estarem contra os "senhores do mundo", mesmo
que os contestem por razões opostas! Se a Internet pode reunir
pessoas espacial e culturalmente separadas em torno de um interesse comum, pode
também expôr os seus utilizadores a conteúdos chocantes para
a sua cultura. Este é o reverso da ubiquidade cultural. Para um europeu
será inaceitável encontrar na Internet páginas sobre execuções
públicas de condenados, e no entanto estas são uma prática
aceite na China, com o objectivo de fazer arrepiar caminho aos potenciais delinquentes.
Para um cidadão da Arábia Saudita ver uma mulher em bikini, exibindo
as suas pernas longuilíneas é obsceno e atentatório do pudor
enquanto na Europa e América é socialmente aceite. As corridas de
touros (ou touradas) são uma diversão cruel e inaceitável
para os habitantes do Norte da Europa, enquanto em Portugal e Espanha e outros
países da América Latina, são espectáculos populares
e socialmente aceites. A exposição da população
em geral aos interditos culturais ou às práticas julgadas chocantes
ou moralmente inaceitáveis começou com a televisão por satélite
(e depois por cabo), acentuando-se agora com a Internet onde cada pessoa pode
seleccionar os temas que vê. Penso que ambos são meios poderosos
para conhecer e compreender a diversidade do mundo, sem embargo de os cidadãos
exprimirem a recusa pelas práticas que julguem erradas. Note-se que da
expressão da recusa à imposição dos valores próprios
vai uma grande distância. Apesar de tudo, creio que será preferível
um mundo diverso e contrastado onde terei de tolerar outors países e outras
culturas com práticas que me choquem, do que um mundo homogeneizado de
acordo com os valores e os interditos de uma cultura parcial com sacrifício
das outras culturas. Voltarei a este ponto, na discussão da ausência
de controlo e responsabilidade. Ao publicar na Internet é
crucial ter sempre presente que a audiência potencial é toda a gente
em toda a parte. Claro que há opções que restringem
este audiência potencial (a língua é a primeira) mas este
potencial não deve nunca ser subestimado (já reflecti sobre este
assunto em Forma e Conteúdo).
Entretanto, os meios de comunicação social tradicionais continuarão
a classificar a realidade como o "nós", subdividido
em política, economia, desporto, etc., e os "outros",
os estrangeiros, dos quais só temos uma perspectiva geral, vista pelos
nossos olhos e não pelos deles. Os primeiros são aqueles que vêem,
ouvem, lêem e sustentam esses meios e que cremos poder influenciar directamente
enquanto os segundos são aqueles que se localizam num espaço, numa
cultura e numa história mais ou menos distante. Da lista de
diferenças que até agora referi, a ubiquidade é a mais visível
para o grande público. Todavia, os autores de informação
para a Internet tendem a esquecer-se dela no seu quotidiano e continuam a pensar,
a escrever e a criar para o seu universo tradicional, o do mundo off-line.
Talvez porque a Web seja demasiado recente, talvez porque seja intangível
ou talvez porque tem um impacto económico reduzido, o facto é que
grande parte da informação on-line duplica informação
off-line que não contempla esta ubiquidade espacial e cultural.
Há muitos assuntos de interesse estritamente local ou nacional, mas há
temas de interesse geral que uma abordagem cuidada, tendo em atenção
a ubiquidade, pode tornar interessantes e acessíveis a audiências
muito mais vastas do que as inicialmente previstas. A título
de previsão pessoal, creio que a tendência de localização
da informação se reforçará nos próximos anos
à medida que a maioria de cidadãos menos cosmopolitas se aproxima
da Web e que a maioria dos conteúdos se dirige a eles a já não
ao universo restrito dos académicos, militares e "cidadãos
do mundo". Criar-se-ão pequenas "web nacionais" onde as
pessoas se sentirão mais confortáveis e referenciadas. Os portais
nacionais são uma tentativa primitiva de promover esta tendência.
O seu objectivo é dizer ao utilizador: "tenho tudo o que lhe interessa,
já preparado e seleccionado de acordo com o seu gosto. Não vá
mais longe!" Creio que só com gerações de cidadãos
nascidos na cultura da Internet e com grande mobilidade pessoal - pois a Internet
não consegue vencer todas as barreiras, nomeadamente as físicas
- surgirão grupos de cidadãos agrupados numa pátria cultural
que já não é um pedaço de terra, nem uma língua
("a minha Pátria é a língua portuguesa" dizia Fernando
Pessoa). Será a pertença a uma cultura, a uma etnia, a uma ideia
política, religiosa ou social que definirá a nacionalidade dessas
pessoas. (3) Os países ditos
do G8 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos da América, Federação
Russa, França, Itália, Japão e Reino Unido) são os
mais atingidos, mas as cimeiras de outros grupos como a Organização
Mundial de Comércio ou o Fundo Monetário
Internacional também são alvo destas manifestações
globais. | | Ausência
de validação e credenciação A informação
disponibilizada na Internet tem origens e naturezas diferentes. A informação
comercial é normalmente prestada pelas entidades que oferecem o produto
ou serviço. A informação jornalística é fornecida
pelos meios de comunicação, tanto os de origem tradicional que duplicam
na Internet a informação que publicam noutros canais, quer os meios
estritamente digitais que criam conteúdos específicos para a Internet.
A maioria da informação técnica ou científica é
disponibilizada por universidades e centros de investigação, com
reputação cimentada fora da Internet. Além dos
autores facilmente identificáveis, há um manancial imenso de informação
que é disponibilizada por pessoas ou organizações que não
conhecemos e às quais não podemos atribuir um grau de veracidade
e credibilidade. Este é um problema relativamente novo e de gravidade
crescente, à medida que aumenta o número de pessoas que usa a Internet
como fonte primária de informação. Se alguém
inventar uma história e lhe chamar "um conto popular brasileiro"
e outras pessoas o citarem como tal, isso terá pouca importância.
Pelo contrário, se alguém sugerir um tratamento falso para o cancro
do estômago, isso pode ter consequências gravíssimas para aqueles
que o seguirem. Se a isto juntarmos a liberalidade de publicação
e a dificuldade dos controlos judiciais, está criado o ambiente ideal para
a propagação de toda a espécie de fraudes e formas de enriquecimento
ilícito. Creio mesmo que nunca se criou uma ferramenta tão poderosa
ao dispôr do crime organizado, da pequena criminalidade oportunista e de
inúmeras pessoas mal intencionadas que procuram apenas obter vantagens,
diversão ou reforço do seu amor-próprio a expensas dos outros.
Esta é para mim a maior falha actual da Internet e creio que só
poderá ser suprida por organizações internacionais, públicas
ou privadas, que criem "bilhetes de identidade" electrónicos,
totais ou parciais, e que certifiquem a identidade e a credenciação
(idoneidade) das pessoas em determinados domínios. Todavia, tais cenários
parecem-me ainda muito longínquos e por enquanto cabe aos leitores precaverem-se
contra os aldrabões que se aproveitam das características da Internet.
Não se trata de recear o roubo de números de cartão de crédito
ou senhas de acesso. Isso é importante, decerto, mas a identidade e credenciação
é muito mais fundamental. Trata-se de saber se a informação
é objectivamente verdadeira e, no caso de informações subjectivas,
se o autor está credenciado nos domínios que aborda. Trata-se
de saber se podemos confiar na informação que vemos e ouvimos
na Internet. Ao ler esta páginas o leitor pode interrogar-se
"Que credenciais tem este sujeito para escrever sobre a Internet ?".
Como eu me limito a convidar o leitor à reflexão, a minha credibilidade
advirá das conclusões a que o leitor chegar. Se concluír
que eu sou um fala-barato ignorante, ignorar-me-á e lamentará não
existir um sistema de classificação que avise outros incautos. Se
achar que a leitura valeu o tempo gasto e que ficou mais informado e consciente
dos assuntos tratados, então talvez volte em busca de novidades e sugira
a leitura a outra pessoa interessada. Se eu criasse um sítio
sobre análise e teste de máquinas fotográficas (a fotografia
é um dos meus passatempos), então a credenciação dos
críticos seria essencial para perceber se uma classificação
de mau ou óptimo era para levar a sério. E se fosse um sítio
sobre aconselhamento em negócios de acções (que estiveram
na moda entre 1997 e 1999)? Como aferir a credibilidade de um sítio desses
? A solução imediata passa por associar o mundo off-line
ao mundo on-line, pois no primeiro as reputações já
foram criadas. Creio que só o tempo, recorrendo ao método antiquíssimo
do passa-palavra, ou organizações de certificação
poderão ajudar a criar a reputação dos sítios exclusivos
da Web. Mas até essas organizações precisam de conquistar
as suas credenciais. Entretanto, alguns portais e órgãos de comunicação
social tradicionais têm analisado numerosos sítios e recomendam-nos
ao seu público, ajudando a credenciá-los. Associados
aos problemas da veracidade e da credibilidade está o da autenticação
da informação, embora este seja um problema relativamente menor.
Pode acontecer que uma entidade se faça passar por outra e preste informações
falsas (imagine-se um construtor automóvel que vê o seu sítio
substituído por outro onde as características dos carros são
muito piores). Por enquanto, estes delitos são de curta duração
e procuram sobretudo denegrir visivelmente a entidade detentora do sítio
original, sendo facilmente identificados. Em contraste com a Internet,
o volume de investimento necessário para lançar um um jornal, uma
estação de rádio ou de televisão são de tal
forma elevados que é quase impossível fazê-lo de forma anónima.
O âmbito dos meios de comunicação social tradicionais também
depende do investimento, o que limita de imediato os efeitos de um jornal ou estação
de rádio pouco credível. Além disso, estes orgãos
de comunicação estão sujeitos às leis civis e penais
dos países onde se estabelecem e a contratação de profissionais
está frequentemente condicionada a detentores de carteiras profissionais
obrigados por códigos deontológicos. Não quero com isto dizer
que toda a informação veiculada pelos órgãos de comunicação
tradicionais é verdadeira e da autoria de pessoas credenciadas. Quero sim
dizer que no mundo off-line é mais fácil verificar a veracidade
da informação e a idoneidade dos seus autores. Existe também
uma maior possibilidade de contraditório, seja contestando noutro meio
de comunicação, seja em conselhos éticos ou reguladores ou
em tribunal. | | Ausência
de controlo e responsabilidade Se a ausência de validação
e credenciação é um problema grave, a ausência de controlo
sobre o que é publicado e a responsabilização dos autores
é-o igualmente. Em abstracto, a ausência de controlo sobre o que
é publicado é um bem pois privilegia a liberdade de expressão
e criação. No entanto, há limites para o que pode ser publicado
e os autores devem ser responsabilizados pelo que publicam. Nos meios
de comunicação tradicionais estes limites são conhecidos,
embora não sejam estáticos, Variam de país para país,
variam com as épocas e variam até com o estilo do meio em si. Há
diatribes aceites na imprensa dita popular que seriam inaceitáveis na imprensa
séria. Há peças de humor e ficções baseadas
na realidade que são recusadas numa época e aceites noutras (recorde-se
a teatralização radiofónica da Guerra dos Mundos de H.G.
Wells feita em 1938 por Orson Welles que lançou o pânico em Nova
Iorque, EUA). A relação entre os meios de comunicação
e os reguladores ou poderes públicos não é pacífica
e por vezes sofre alterações significativas, porque os primeiros
querem sempre ir mais longe e os segundos acham que já se foi longe demais.
Embora imperfeitos e em mutação, os mecanismos de controlo e atribuição
de responsabilidades existem e são funcionais. Durante a década
de 1990 vigorou um regime "selvagem" na Internet, onde cada autor podia
publicar o que entendesse, sem se preocupar com questões éticas
e legais. Não havia regras claras nem uma autoridade para sancionar as
práticas incorrectas. Desde pornografia disponível
a todos os públicos até às listas de números de cartões
de crédito e códigos de acesso, passando por manuais de fabricação
de armas e engenhos explosivos e por páginas racistas era possível
encontrar na Web, com um pouco de paciência e saber, tudo aquilo que não
era possível transmitir nos meios de comunicação tradicionais.
Houve também problemas de falta de controlo e responsabilidade nos sítios
de leilões on-line, onde a transacção se baseava na
confiança mútua e a administração do sítio
considerava que a sua função se limitava a pôr em contacto
o vendedor e os licitadores. Seguiram-se depois as práticas
de troca de documentos de autores alheios sem permissão dos mesmos. Há
quem defenda que isto é legítimo, mas a maioria dos autores afectados
pensa o contrário. A batalha legal entre o Napster, Inc. e a Recording
Industry Association of America (1999-2001?) sobre o direito de troca de ficheiros
de música sem pagamento de direito de autor foi um marco neste campo, não
só pela jurisprudência desenvolvida como pelos montantes milionários
envolvidos. Mais informação sobre este caso em [CNN.com,
em inglês]. Estou certo que dentro de dois ou três anos, o mesmo se
passará com os filmes. À míngua de melhor regulamentação,
acho que se deve procurar transpôr para a Web as regras vigentes para a
informação off-line. Cobre-se assim o vazio legal enquanto
se estudam propostas de raíz, adaptadas às características
da Web. É este o caminho que têm seguido os legisladores europeus
e norte-americanos, enquanto enfrentam as diferenças fundamentais entre
a Internet e os meios de troca de informação (e comércio)
tradicionais. Os limites da territorialidade Esta é
a primeira grande diferença da Internet e resulta da ubiquidade
espacial discutida acima. Os sistemas judiciais têm o seu campo de trabalho
limitado ao país que cria as leis que procuram fazer cumprir. Como extensão
disso, há países (nomeadamente os Estados Unidos da América
e alguns da União Europeia) que obrigam as empresas baseadas no seu país
a cumprirem certas práticas quando operam noutros países, mesmo
que essas práticas sejam localmente aceites. Pelo contrário,
não me parece possível obrigar uma empresa sediada num país
A que disponibiliza um bem ou serviço acessível a todos os países
do mundo a cumprir as legislações de cada um desses países.
Não obstante, foi esse o propósito da justiça francesa
quando exigiu ao sítio americano Yahoo!
que impedisse o acesso dos cidadãos em França aos seus leilões
de objectos de simbologia nazi, por serem atentados contra a memória das
vítimas desse regime. Este caso foi resolvido fora do tribunal pois o Yahoo!
decidiu retirar esses artigos dos seus leilões em todo o mundo para proteger
a sua boa imagem. Mais informação sobre este caso em [CNN.com.br,
em português ]. Imagine-se agora que os Estados
Unidos da América exigiam o desaparecimento das páginas dos partidos
comunistas, porque são contrários à constituição
americana, que a União Europeia exigia o fim das páginas favoráveis
à pena de morte porque esta foi banida da Carta Europeia dos Direitos do
Homem, ou que cada país começava a exigir a eliminação
dos conteúdos que ofendem a sua história ou cultura. Irrealista
? Talvez, mas há grupos de pressão a tentar criar dispositivos legais
nesse sentido [CNN.com,
em inglês]. Se tais medidas vierem a vingar, prevejo que serão os
poderosos a decidir o que é publicável ou não, perpetuando
o domínio da sua cosmovisão sobre os demais povos do mundo.
A solução que eu prefiro é a intercepção da
informação dentro das fronteiras de cada Estado.Como nos restantes
delitos, os recursos destinados por cada Estado ao combate aos crimes pela Internet
são proporcionais à gravidade atribuída a cada um desses
delitos, na certeza porém de que os métodos absolutamente eficazes
exigem recursos absolutos. Como parecem hoje patéticos os
esforços da extinta União Soviética para interferir nas emissões
da Voz da América e, simetricamente, os esforços americanos para
interferir com a Rádio Moscovo! Posteriormente, novas formas de restrições
ao tráfego da informação foram desenvolvidas com controlo
de jornais, de emissões televisivas, de contra-propaganda, mas há
sempre uma fracção da infromação que passa. Aliás,
um dos traços comuns das várias evoluções das telecomunicações
é que cada novidade reduz o ascendente do Estado sobre os indivíduos.
Resta aos Estados aprender a viver com menos poder e aos indivíduos aprender
a usar responsavelmente o poder acrescido. Actualmente, há
países que procuram restringir o fluxo da informação pela
Internet, quer recusando o acesso (caso da Coreia do Norte) quer restringindo
o número de pessoas que pode aceder à rede (caso de Cuba). O exemplo
de maiores recursos aplicados no controlo da Internet é dado pela República
Popular da China onde só uma pequena fracção da população
tem acesso à Internet (mesmo assim são dezenas de milhões
de pessoas) e o governo controla os endereços acedidos na Web, as conversas
trocadas nos chat-rooms, e filtra as mensagens de correio electrónico
e as páginas da Web importadas. Não conhecemos a eficácia
destas medidas, e acredito que mesmo os responsáveis chineses só
tenham uma ideia grosseira do desempenho dos sistemas de controlo. Só a
história poderá vir a estudar a posteriori os efeitos destas
medidas. Na União Europeia, optou-se por formar polícias
especializados na utilização da Internet que procuram os usos ilícitos
ou desviantes para assim advertirem as autoridades, eliminarem os conteúdos
locais e eventualmente procurarem barrar o acesso àqueles que provém
do estrangeiro. A uma escala menor e por razões de gestão de recursos,
já há numerosas empresas e escolas que filtram os endereços
de forma a que os utilizadores não gastem tempo e dinheiro com assuntos
alheios à sua actividade. Não são medidas totalmente eficazes
mas são um sinal claro de que há alguém atento à situação.
A uma menor escala ainda, as famílias são convidadas a promover
um uso sensato da Internet, em especial por parte dos menores. É provavelmente
mais vantajoso explicar a uma criança que a sua actividade na Web está
a ser acompanhada pelos pais do que cortar-lhe o acesso. Neste aspecto, há
uma clara vantagem: a navegação pela Internet deixa marcas no disco
do computador, ao contrário da televisão. A natureza distribuída
Outro dos problemas associados à fiscalização da informação
na Internet é a sua natureza distribuída. Como um documento pode
ser constituído por ligações a outros documentos parciais,
localizados no mesmo país ou em países diferentes é possível
tirar partido disto para publicar informação que seria ilegal publicar
de forma concentrada. Um exemplo simples: em muitos países
é admissível a reprodução de pequenos excertos musicais
com o fim de crítica ou ilustração de um tema. Admitamos
que o limite legal são 20 segundos. Se dez pessoas pessoas "citarem"
20 segundos diferentes da mesma canção com o fim de a criticarem
e uma décima primeira concatenar os dez documentos parciais é possível
ouvir a canção completa sem pagar os direitos de autor e sem que
nenhum dos autores tenha infringido a lei do seu país.
A natureza distribuída da Web agregada pelo hipertexto dificulta notavelmente
o controlo legal a a atribuição de responsabilidades. Recentemente,
à medida que o processo do Napster
contra a indústria discográfica americana evoluía em prejuízo
deste serviço centralizado de troca de ficheiros musicais, surgiram novos
serviços distribuídos com nós sediados em países distantes,
o que dificulta os processos judiciais. Quando o Napster se viu forçado
a eliminar das suas listas dezenas de milhar de canções protegidas
por direitos de autor, a sua popularidade caiu enquanto os concorrentes distribuídos
viam o seu tráfego aumentar. A responsabilização dos
autores Como já disse, a Web é o único meio
de comunicação de grande alcance onde se pode publicar anonimamente
o que se desejar. E se em muitos serviços é necessário fornecer
uma identificação, a distância e os baixos custos impedem
uma verificação exaustiva dessa identificação. Daqui
à publicação de informação falsa, difamatória
ou por qualquer forma contrária à lei a coberto do anonimato vai
um curto passo. Para combater este problema, o primeiro passo é
procurar os autores, se possível identificá-los e retirar os conteúdos
proibidos da Web. Caso eles estejam sediados no estrangeiro e o país anfitrião
solicitado para os eliminar decidir não o fazer, procura-se barrar o acesso
a esses conteúdos. Outra das soluções, advogada sobretudo
para as páginas individuais, é responsabilizar os fornecedores de
espaço na Web pelos conteúdos lá armazenados.
Há também quem queira obrigar os fornecedores de acesso (ISP) a
filtrar o seu tráfego, denunciando as ilegalidades. Esta última
opção parece-me insensata, como se as empresas dos Correios e dos
Telefones fossem responsáveis pelos delitos que se planeiam ou cometem
nas cartas e nas chamadas telefónicas. Em resumo, estamos
ainda a viver num período de infância da Web, com uma regulação
incipiente e legislada tentativamente. Dentro de alguns anos, talvez dez ou vinte,
olharemos para este período de "Wide Wild Web" com a nostalgia
que os colonos americanos recordavam as vastas pradarias do "Wild West"
na época dos cowboys e dos sheriffs, dos índios e
da cavalaria, da corrida ao ouro e da criação de uma nova nação.
O futuro da Internet será decerto mais regulado do que o presente, mas
provavelmente menos regulado do que o são hoje os meios de comunicação
social tradicionais. | | Persistência
da memória A maioria da informação transmitida
pelos meios de comunicação social tradicionais é quase inacessível
após a sua transmissão original. Quantas pessoas guardam os jornais
antigos, quantas gravam e arquivam os programas de rádio e televisão
? Só nas revistas de referência, normalmente de periodicidade mensal,
encontro amíude um espírito de coleccionista que leva numerosas
pessoas a guardarem religiosamente a informação passada. Sabe muito
bem ler repousadamente revistas com cinquenta anos, para nos surpreendermos com
as diferenças e semelhanças do mundo de então com o mundo
de hoje. É certo que existem arquivos centrais para fins
bibliográficos. Em Portugal, a Biblioteca
Nacional arquiva todos os livros e jornais e as estações de
rádio e televisão arquivam a sua própria programação.
Porém, estes arquivos são dificilmente acessíveis aos utilizadores
comuns, quer por causa das barreiras físicas quer por causa do custo. Pelo
contrário, manter informação na Web é muito barato
e a informação passada pode ser tão acessível como
a informação actual. Esta é uma diferença essencial
para quem se preocupe com a história e a evolução social.
Roubando um título a Salvador Dali, há uma Persistência
da Memória. Infelizmente há muitas entidades que
retiram da Web a informação antiga, julgando-a obsoleta ou irrelevante.
Fazem-no provavelmente para melhorar a sua imagem. Imagine-se um político
a ser confrontado com os seus discursos de há dois ou três anos,
ou o fabricante de equipamentos sujeitar os seus novos modelos à comparação
com os anteriores. Embora possa existir um benefício privado ao apagar
informação antiga, há um claro prejuízo público,
até porque é impossível manter uma entidade centralizada
que grave toda a informação alguma vez publicada na Web.
Se quisermos que a Web seja uma biblioteca distribuída de todo o conhecimento
universal, devemos preparar-nos para criar arquivos distribuídos de conhecimento
passado. O arquivamento é particularmente difícil de
fazer no caso de sítios baseados em tecnologias activas, isto é,
onde a página é criada segundo as solicitações do
utilizador. Neste caso, o que é importante não é guardar
a página mas a base de dados que lhe está subjacente e as ferramentas
de manipulação associadas. Infelizmente, dada a permanente actualização
da maioria das bases de dados, torna-se por vezes impossível reproduzir
mais tarde um qualquer resultado. No início da Web e ao contrário
dos meios de comunicação tradicionais, as páginas eram estáticas
e armazenadas para sempre, sendo possível aceder facilmente a todo o historial
de um sítio. Hoje em dia esta diferença esbateu-se e a Internet
- entendida como a soma da Web com as comunicações individuais -
está cada vez mais parecida com o telefone, onde o único registo
de uma chamada telefónica está guardado na volátil memória
dos intervenientes... Esta secção é também
um apelo pessoal a todos os autores de conteúdos para a Web: uma vez on-line,
para sempre on-line. É um legado precioso que deixamos às
gerações vindouras. | | Conclusões
Termino assim um longo ensaio sobre as diferenças de publicação
na Web e nos meios de comunicação tradicionais. Nunca pensei que
ficasse tão longo, e agradeço ao leitor a perseverança de
chegar até aqui, mas quis arrumar ideias de forma clara, de preferência
com exemplos para clarificar e ilustrar os problemas em análise. Em resumo,
as diferenças principais são: - Natureza distribuída
- O processo de criação de informação para a Web
é distribuído por várias entidades e países, o armazenamento
e transmissão são distribuídos e as audiências também.
- Baixo custo de acesso e diversidade de acesso
- Nos países
desenvolvidos, os custos de acesso à Internet são proporcionalmente
baixos face aos canais alternativos de difusão de informação.
As formas de acesso variam com os públicos e com a sua capacidade económica.
- Baixo custo de publicação
- Nunca foi tão
barato publicar para uma audiência potencial tão grande. A publicação
é muito facilitada, com prejuízo dos mecanismos de selecção
de qualidade.
- Ubiquidade espacial e cultural
- Todas as pessoas
de todos os países e culturas se podem reunir em torno de um interesse
comum mas também se pode gerar atritos ao pôr em contacto culturas
mutuamente estranhas.
- Ausência de validação e credenciação
- Faltam mecanismos que assegurem a validade e relevância da informação
encontrada na Web. Os utilizadores contam com poucas ajudas para separar o trigo
do joio e protegerem-se contra entidades mal intencionadas.
- Ausência
de controlo e responsabilidade
- Faltam mecanismos que eliminem os conteúdos
que as sociedades não querem ver publicados e responsabilizem cada autor
pelas suas publicações, especialmente se estas forem condenáveis.
- Persistência da memória
- Na Web, aceder à
informação passada pode ser tão simples como aceder à
informação presente, desde que os autores tenham o cuidado de preservar
um arquivo público dos trabalhos passados.
| Quer
comentar? |
Espero que tenha apreciado esta reflexão e, se fôr autor de informação
para a Web, que tome em conta estas diferenças para optimizar as capacidades
de comunicação da Internet. Março a Junho de 2001 |
©2002 João Gomes Mota |
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Escrito em Março 2001.Última alteração:
Fevereiro 2005. |  |
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